esse é um vaso de planta ornamental! aproveite para ver a beleza escondida no cotidiano
É bizarro o quanto podemos ser cruéis com nós mesmos.
Como eu comentei com você nesse vasinho aqui, tem pouco mais de dois meses que comecei a aprender piano. Está sendo uma jornada prazerosa na medida do possível, com momentos de maior e menor ânimo como tudo nessa vida. Em alguns momentos, especialmente em dias onde algo aparecia para perturbar minha paz, eu chegava a ficar impaciente com o meu aprendizado. “Não é possível que você vai errar A MESMA TECLA 19 VEZES SEGUIDAS” e pensamentos parecidos vinham quando eu estava aprendendo um exercício ou música. É normal, somos humanos, temos nossos momentos de explosão o que não ameniza o fato de ser algo cruel e desleal com o nosso processo.
Nada como uma perspectiava externa
Na última semana, comecei um projeto novo: estou ensinando ukulele aos meus sobrinhos (7 e 10 anos) e violão ao meu irmão caçula. Olha, eu não sei quem tá aprendendo mais, nesse processo. Às vezes eu me pergunto quem é o professor e quem é o aluno.
Eu comecei a tocar violão muito novo, devia ter uns 12 anos mais ou menos. Em outras palavras, já se passaram uns vinte anos, junte a isso a minha péssima memória e não é difícil imaginar que eu esqueci o quanto esse foi um processo lento, doloroso e difícil. Hoje, pegar o violão e aprender em poucos minutos a música que quero tocar não mostra o tanto de espinhos que encontrei na jornada até aqui. Pros meus dedos calejados e com memória muscular, é quase algo orgânico, trivial até. Mas pro Rafinha de 12/13 anos que ficou MESES tentando tocar “Não chore mais” — a versão do Gilberto Gil de “No womam no cry” —, violão não tinha nada de trivial. Estava mais ligado ao campo da frustração do que qualquer outra coisa.
Engraçado perceber isso.
Enquanto meus sobrinhos e meu irmão lutavam para colocar os dedos sobre as cordas para arrancar algum som, eu viajava para o passado e recordava da minha luta quando estava na mesma situação.
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Temos uma facilidade muito grande de esquecer das dificuldades do processo
Isso se aplica a tudo na nossa vida. É óbvio que não nos lembramos da nossa própria experiência, mas se você convive com crianças, já percebeu que aprender a andar é difícil pra caramba! Simplesmente ficar de pé exigiu muitas horas — e tombos — até atingir aquele equilíbio exato que permite que vejamos o mundo da gloriosa altitude de 50/60 centímetros acima do nível do solo. Hoje, eu não preciso pensar no equilíbrio de colocar um pé na frente do outro para me mover, faço isso no automático.
E não basta apenas aprender uma vez, precisamos continuar exercitando aquela habilidade, ou corremos o risco de esquecê-la. Na minha infância, eu era uma criança muito comportada e que nunca dava dor de cabeça para os meus pais (confia). Tão comportado que quebrei o braço esquerdo duas vezes no intervalo de poucos meses. Na segunda vez, precisei fazer uma cirurgia que deixou meu braço imobilizado por alguns meses. Após a remoção do gesso, me lembro que eu passava HORAS apertando uma bolinha de espuma para conseguir retomar o movimento dos dedos. E como doía! O simples fato de abrir e fechar a mão esquerda era penoso, algo que a mão direita fazia com facilidade.
Nos esquecemos dos esforços após nos acostumarmos com os resultados. Talvez seja uma vantagem evolutiva. Imagina se lembrar de como todas as jornadas são sofridas? Ainda assim, vale a pena se lembrar de vez em quando.
O que está no alto é como o que está embaixo
Isso não acontece apenas no campo físico, mas em todas as áreas. Quer ver só?
A CAZA AMARELA DA VISINHA
Eu aposto que você leu a frase acima e deu uma torcida de nariz. Talvez uma torcida dupla. Você não apenas leu a frase num piscar de olhos, mas também captou a mensagem e percebeu as letras invertidas. Agora eu te proponho um exercício: você consegue se lembrar do quanto foi difícil abandonar o maldito Z ao escrever casa?
Salvo raras exceções, todos nós demoramos muitos anos até dominar a leitura e entender que antes de P e B escrevemos com M ou que todas as palavras proparoxítonas (como essa) são acentuadas. Foram lágrimas, reclamações, xingos e muitas, mas muuuuuitas horas de uma leitura lenta, sílaba por sílaba, até atingir o ponto onde estamos. Imagina se tivéssemos abandonado a tarefa porque ela era difícil? Agora você não estaria aqui lendo esse texto em uma letra minúscula e eu não teria escrito ele para início de conversa (isso porque nem falei do esforço para aprender o alfabeto em uma ordem diferente no teclado).
Aprender demora, e tá tudo bem
Se hoje você sabe o que é metacarpo, colofão, homicídio doloso ou equação diferencial, não foi do nada. Houve uma dedicação gigantesca para que esse conhecimento fosse acumulado. Se ele é útil ou não, aí é assunto pra outro vaso de planta, mas é algo que você adquiriu e, para citar algo que minha mãe costuma falar, ninguém nunca vai pode tomá-lo de você.
Agora, depois dessa viagem no tempo, escolha a pergunta que melhor se encaixa (famosa carapuça) e se permita refletir sobre ela.
Por que você cobra que o seu primeiro livro seja um bestseller?
Por que você fica com raiva por não ter emagrecido depois de dois meses na academia?
Por que você está desanimada por não ser fluente em inglês depois de um ano de estudos?
Por que você pensa em desistir de dirigir após errar a vigésima baliza?
Por que você fica bufando igual uma chaleira quando a mão esquerda não consegue acompanhar a direita ao tocar o Op. 28 No 4 do Chopin?
Ok, a última foi um pouco específica demais. Me pergunto a quem pode ter sido direcionada.
Eu sei que o capitalismo e nosso estilo de vida ligado eternamente no 220V exigem resultados para ontem, mas tenha um pouco mais de compaixão com o seu processo. Se a sua versão bebê/criança tivesse essa impaciência, você nem teria observado o mundo da gloriosa altura de 60 centímetros.
muito obrigado por ter separado um tempo para cuidar desse vaso de planta ^^
aos pouquinhos, a nossa estufa vai enchendo (reparou que já é nosso 29° vaso? mds, quem consegue falar tanto??).
se quiser que mais pessoas conheçam a nossa estufa, não deixe de compartilhar 🌿
até o futuro! 💜
Eu estava precisando desse texto, obrigada!
Ai, Rafael, que texto lindo!
Apanhei em cada linha, mas tô viva.
Obrigada!