#4 - Por que é difícil nos vermos como escritories? 🌷
O que aprendi depois de mil dias nessa carreira
esse é um vaso de planta ornamental! aproveite para ver a beleza no cotidiano
Eu escrevi a minha primeira história aos 11 anos. Aula de português da sexta série. Uma redação que ganhou vida e superou muito o proposto pela tarefa. Lembro até hoje da história: dois irmãos que ficam perdidos no meio da selva e precisam achar o caminho de volta. Foi a primeira vez que percebi que eu conseguia contar uma história.
Muitos anos depois, já no ensino médio, começo a escrever contos e poemas. Depois, me arrisco nos primeiros romances. Falhei miseravelmente. Como eu não conhecia planejamento, não conseguia resolver os inúmeros problemas que eu criava na história. Consigo me lembrar de pelo menos três histórias que nunca passaram dos primeiros capítulos.
Durante boa parte da minha vida, eu sempre tinha uma caneta e um papel onde anotava as minhas histórias. E mesmo assim, apenas comecei a me enxergar como escritor no dia 13 de outubro de 2020, data da publicação na Amazon do meu romance de estreia: Filhas de Ninguém.
“Olha lá, fulane publicou 15 livros e tá no ranking dos mais vendidos da Veja!”
Se você digitar escrita na busca do Instagram vai encontrar centenas de perfis de escritories. Hot, fantasia, romance, poesia, ficção científica, terror, suspense dentre inúmeros outros gêneros. Experimente olhar alguns perfis. Você vai encontrar uma foto de perfil com o rosto em evidência. Logo embaixo, o nome e a área que atua (seja o gênero que escreve ou os serviços que oferece) são logo seguidos por uma descrição profissional e um link para conhecer os diversos trabalhos da pessoa. Se continuar a stalkeada vai perceber que a maioria ainda tem a seção de destaques otimizada e um ou outro post fixado. Tudo é feito para você entrar e perceber logo de cara: estou no perfil de ume escritorie.
Não foi sempre assim.
Comecei a produzir conteúdo na rede do Marquinhos ainda em 2020. Apesar de já ter bastante gente falando do assunto, nem se compara à enxurrada que é hoje. Não precisamos fazer esforço para encontrar outras pessoas que também caminham nessa jornada. Muitas delas com vários livros publicados. A comparação é inevitável. E é nesse ponto que quero chegar.
Como eu ia dizer que eu era escritor se não tinha publicado nenhum e fulane já tinha publicado 5?
Como eu ia dizer que eu era escritor se tinha uns 3 gatos pingados que leram minha história enquanto ciclano tem uma base de trocentos mil leitories?
Como eu ia dizer que eu era escritor se beltrano fez masterclass disso e daquilo e eu tinha acabado de descobrir o que era estrutura de 3 atos?
A comparação naquele estágio da minha escrita foi tão destrutiva que conseguiu apagar quem eu era. Não importava o que eu produzia, os números das outras pessoas determinavam um padrão inacessível para um jovem escritor que acabava de sair do casulo.
Eu não podia sair do meu cantinho com as mãos vazias. Eu precisava ter algo sólido! E foi por isso que precisei da publicação de um livro para conseguir me ver como um escritor.
Mal sabia ele…
É óbvio que isso não bastou. As perguntas — a maioria delas internas — continuavam chegando.
Você já tem livro físico? Vai publicar por qual editora? Já fez evento de lançamento?
A cada pergunta, um baque, uma força que me soprava na direção contrária ao caminho que eu queria seguir. Após superá-las, vinham outras. Avaliações dos livros, a queda-livre nos rankings da Amazon, o engajamento lá embaixo. É um mar de cobrança e comparação que quase te afoga. A vozinha recém nascida que gritou ao mundo EU SOU ESCRITOR parecia arrependida. Será que eu tinha gritado muito cedo? Fui inocente?
No meio de tantos posts, likes, compartilhamentos e resenhas, fica difícil enxergar o que é preciso para alguém ser considerado ume escritore. E a resposta é bem simples, a gente que tem essa mania besta de complicar tudo.
Escritore é quem escreve.
Parece óbvio, né? Então por que é tão difícil enxergar isso no dia a dia? Escrever é, sim, sobre criar histórias e publicar no formato de livros. Mas pensar que essa é a única possibilidade para a escrita é como olhar para o mar e pensar que ele serve apenas para nos dar o sal que vai temperar uma deliciosa salada de alface com rúcula e tomate (sério, alface é bom demais).
Escrever vai muito além. É postar textos em blogs ou sites, é escrever para uma coluna de jornal, é postar histórias no Wattpad, é fazer matérias para reportagens, é escrever suas poesias nos muros da cidade. As possibilidades são infinitas.
A publicação é apenas um token que o capitalismo usa para lucrar e nos subjugar a um sistema que vai sugar cada gota de nós que ele conseguir.
1000 dias como escritor?
Esse é um tema que tenho pensado muito nas últimas semanas já que no dia 10/07 (segunda-feira passada) eu completei 1000 dias desde a publicação de FDN. 1000 dias desde que passei a me enxergar como escritor e a tratar como profissão o que até então era um hobby.
Foi (está sendo) uma jornada dolorosa. Se eu pudesse mandar uma mensagem para o Rafa de 2020 seria algo do tipo:
cara, vai ser barra. Tem dias que você vai se arrepender por ter escolhido esse caminho. Tem dor ao matar personagens, tem lágrimas quando um lançamento flopa, e algumas vezes você vai sentir que está falando sozinho. Isso sem falar no dinheiro — ou melhor, a falta dele — que vai ser um fantasma sentado no seu ombro 24/7. Escrevo isso depois de adiar o resto da parcela do cartão de crédito que não consegui pagar pelo segundo mês seguido. Pois é, bad vibes. Mas continua, vai valer a pena. E pelo amor da Taylor, não compare o seu trabalho com o de outres escritories!
Acontece que nem só de espinhos é feito esse caminho. Foi um período onde eu cresci muito. As histórias que escrevo hoje são muito superiores (técnica, ritmo, conteúdo) às primeiras que publiquei, mas cada uma delas me ajudou a chegar onde estou hoje. Aprendi que cada livro, cada história, nos ensina alguma coisa. Elas conversam com a gente e continuam a nos ensinar mesmo depois de publicadas. Eu amo quando algume leitore vem conversar comigo e tem uma interpretação bem viajada que eu nunca tinha imaginado. A história, que antes era minha, passa a ser nossa. Ela vai viver na mente da outra pessoa e passa a fazer parte da história de vida dela. Isso não tem preço.
Sem contar as pessoas que conheci pelo caminho, gente incrível que, por percorrerem a mesma estrada, compartilham comigo as dores e alegrias do processo. A gente pode até escrever sozinhe, mas escritories estão longe de serem criaturas solitárias.
Eu dei essa volta imensa apenas para te dizer: você não precisa de validação externa para se ver como escritore. Se você escreve suas histórias, você já é ume. Se as compartilha com amigos próximos, com a internet ou as deixa escondidas em alguma pasta com um nome estranho no computador, não importa. Isso é secundário. Você não precisa que eu, ou qualquer outra pessoa valide a sua carteirinha.
Sei que é um processo, leva tempo e amadurecimento. Mas se esse texto te ajudar de alguma forma, sinto que meu trabalho valeu a pena.
Ah, e para calar a maldita voz que nos instiga a comparar nosso trabalho com o das pessoas que acompanhamos, grite bem alto no ouvido dela: NÃO EXISTE DOIS ESCRITORIES IGUAIS!
Depois disso, vai escrever sua história. Afinal, somos escritories.
Até o futuro! 💜
Me senti tão representada. É difícil me enxergar como escritora. As vezes, quando me perguntam a minha profissão, eu ainda digo que não tenho uma. Quando, na verdade, estou trabalhando para tornar minha escrita cada dia mais profissional. Porque é esse o meu trabalho.