esse é um vaso de planta venenosa! tome cuidado para não encostar nela!
Ontem, terminei de ler um dos livros mais impactantes até hoje. A Caverna, do meu autor favorito, a quem chamo carinhosamente de CuraBruxo. Foi engraçado, porque, assim que li a última frase do livro, comecei um mantra muito longo de “puta que pariu” e “caralho”. Era a única forma com que eu conseguia me expressar no momento.
O que mais me impactou foi pensar que o livro foi publicado no ano 2000, e o mestre já sabia como as coisas seriam hoje em dia. É uma espécie de profecia pessimista que se concretizou mais rápido do que a gente gostaria.
Ler esse livro me fez agradecer por ter saído das redes sociais no mês passado. Fica comigo que vou te explicar o porquê.
Enredo sem spoiler
O livro é muito simples. Fala da vida de três pessoas e um cachorro. Um oleiro (quem fabrica objetos de cerâmica e barro), sua filha e seu genro. A história começa com Cipriano recebendo a notícia de que seu trabalho não é mais útil, já que as peças que ele fabricava foram substituídas por materiais de plástico. Como esse era um ofício de família e a única atividade que sabe fazer, ele fica desolado e sem rumo na vida.
Paralelamente, Marçal, o genro, trabalha no Centro, um imenso shopping center que se expande a cada dia. Marçal aguarda uma promoção que o tornará guarda permanente no Centro e permitirá que ele e sua família se tornem residentes lá, o sonho da maioria das pessoas.
O enredo gira ao redor desses dois pontos principais e o desenrolar deles é de fazer a gente entrar em parafuso por causa das analogias com a vida atual.
O Centro nada mais é que a materialização do capitalismo tardio. Um imenso lugar onde as pessoas desejam morar e consumir tudo o que acham que precisam. Aos poucos, o Centro devora tudo ao seu entorno, pois precisa continuar criando apartamentos e lojas para acomodar pessoas e mercadorias que não param de chegar.
Chamado de “Caverna de Platão dos dias atuais”, esse livro mostra como o mundo de sombras nunca foi tão presente quanto é hoje em dia. Em uma entrevista, Saramago não só diz que nunca estivemos tanto dentro da caverna, como também diz que será ainda pior no futuro. E olha que ele nem chegou a conhecer o Instagram, o equivalente, no mundo de hoje, ao Centro.
É possível sair da caverna?
Eu não comentei por aqui, mas em janeiro eu saí do Instagram. Excluí meu perfil pessoal e não entro mais no meu profissional. Não quero excluir esse último, porque conheci muita gente legal lá e quero ter como acessá-las, caso precise no futuro.
Vários fatores me levaram a tomar essa decisão. Pra início de conversa, lá nunca foi um lugar saudável. Apesar de amar a minha comunidade, o algoritmo sempre empurra conteúdo goela abaixo sem nos dar espaço para processar. “Está entediado? Tome aqui 30 conteúdos rápidos em apenas um minuto!” Sair era uma vontade minha desde 2023, mas foi com as inúmeras conversas que tive com minha namorada sobre o tema que realmente encontrei coragem (sim, é essa palavra mesmo) para dar esse passo.
Agora, um mês depois disso, posso dizer que não me arrependo nem um pouco.
Eu voltei a plantar e pesquisar sobre minhas plantas favoritas (inclusive, estou apaixonado pela família das marantas, ainda trarei um vasinho sobre esse tema); voltei a estudar mais sobre religião que, apesar de ser ateu, é um tema que eu acho fascinante; voltei a jogar no celular, agora que não tenho mais um sugadouro de tempo, atenção e saúde mental.
Tudo isso porque parei de gastar minutos rolando um feed em um lugar que não me acrescentava nada, pelo contrário, apenas despertava em mim a vontade de gastar com o que eu não precisava e a sensação de que eu precisava postar para existir.
Ainda assim, não me considero livre completamente da caverna. Acontece que somos bombardeados o tempo inteiro com notícias, imagens e estilos de vida que pregam o que devemos ou não fazer, qual marca seguir, qual cantor escutar, qual livro ler. Ao meu ver, é impossível romper de vez com todas as sombras que dançam na parede à nossa frente. É confortável ficar sentado e deixar que outras pessoas escolham o que vamos assistir. Levantar e ir para o mundo lá fora? De jeito nenhum, o sol é forte demais e pode cegar.
“Mas você não acabou de dizer que gostou de sair das redes sociais?”
Sim, mas não acho que com isso consegui me livrar dos grilhões que me atavam ao banco de pedra. Agora, acho que apenas consigo discernir melhor algumas sombras que, claramente, são ilusórias. Queria muito vir aqui dizer que estou 100% desperto e que vejo o mundo como ele é, mas seria inocência assumir isso. Sempre haverá uma ou outra sombra que pensaremos ser real.
Meu objetivo, com esse texto, não é demonizar as redes sociais (até porque o Substack também é uma). Elas podem ser úteis, dependendo do uso que cada pessoa dá a elas. Para mim, não fazia mais sentido ficar nelas. Eu gosto muito do ambiente daqui, pois, pelo menos por enquanto, é uma rede focada em conteúdos maiores, que te fazem parar e prestar atenção no que você está fazendo, não apenas engolir imagens ou vídeos como se fosse um robô hipnotizado pela magia do entretenimento. Aqui, há espaço para você ler, sair, dar uma volta enquanto processa o que acabou de ler. Não é um lugar perfeito, longe disso, mas por enquanto, estou gostando bastante daqui. Tem me servido bem.
Eu disse que todos temos nossa quota de sombras de estimação.
Se tem muito tempo que você estudou a caverna de Platão, recomendo esse vídeo da professora Lúcia Helena (maravilhosa). Se quiser uma versão mais curta, vai encontrar vários vídeos no YT.
Muito obrigado por me ler até aqui! Espero que esse vasinho não tenha sido pessimista demais 🫣
E me conta aqui: qual é sua relação com as redes sociais?