esse é um vaso de planta alucinógena! se certifique de estar em um lugar seguro e se prepare para a brisa
Olhos são máquinas formidáveis e assustadoras. Através da captação de raios luminosos que são encaminhados para o cérebro, conseguimos perceber o mundo ao nosso redor sem precisar tateá-lo na medida em que avançamos. Ao mesmo tempo que parece uma obra de engenharia (porém com uma beleza que só a evolução consegue alcançar), pensar que o que vemos é apenas uma interpretação da realidade me assusta um pouco.
Justamente pela imagem depender de ser processada no nosso cérebro, há um caráter subjetivo nesse processo. Eu e você não vemos o mundo da mesma forma. O vermelho, para mim, pode ser um pouco mais intenso do que para você. A realidade, assim como disseram várias tradições religiosas ao longo dos milênios, não pode ser plenamente compreendida apenas através da observação.
Mas se o que vemos depende, em parte, do que pensamos e sentimos, como utilizar isso a nosso favor?
Diferentes olhares
Somos seres julgadores em uma eterna busca de significado. Quer ver uma prova disso? Se vemos uma embalagem de bala no chão, imediatamente vem o pensamento de que ela não deveria estar ali, que alguém não recebeu uma educação que levasse em conta o bem estar social e a preservação do planeta. Ou então, podemos pensar que a pessoa não percebeu que, ao tentar colocar a embalagem no bolso da calça, ela escorregou e caiu oscilando no vento até tocar o chão. Podemos até mesmo pensar que a pessoa estava apressada, preocupada com dois mil problemas, levando um filho que não quer ir para a aula em uma das mãos e este, em um ato de rebeldia, jogou a embalagem no chão sem que a mãe ou o pai notasse. Percebe como uma simples imagem nos faz inferir sobre a realidade que nos cerca?
Se ainda não te convenci do que estou dizendo, vou dar um outro exemplo, esse muito mais delicioso.
Quero que pense na última vez que você se apaixonou. Como é a forma que você olha/olhava para a pessoa amada? Aposto que não era o mesmo olhar que você dirigiria a uma embalagem caída no chão. Agora, o olhar está associado a uma emoção diferente. Você repara nos cachos do cabelo dela, no risquinho lateral que aparece primeiro no lado direito do lábio quando ela sorri, na forma como ela olha para o lado quando fica com vergonha ou como o semblante dela fica calmo quando está dormindo. Nenhuma dessas imagens processadas pelo seu cérebro são objetivas, pois estão banhadas em ocitocina e dopamina. Um terceiro observador, vendo as mesmas cenas que você, enxergaria apenas uma pessoa comum. Talvez, corresse o risco de soltar a maior blasfêmia do planeta: não sei o que você vê nela. Porém, a opinião alheia não nos interessa. Estamos vendo a pessoa que adoramos e isso é a única coisa que importa no momento.
Agora, fica a questão: se conseguimos dar uma nova roupagem ao nosso olhar, como treiná-lo para ver além do óbvio?
O tão famoso olhar artístico
A forma como vemos o mundo está muito ligada com o nosso trabalho. Talvez pareça uma conexão estranha, mas se você já andou pela cidade ao lado de um arquiteto ou engenheiro civil, certamente reparou como ele vê a cidade com outros olhos. É um tipo específico de azulejo usado em uma parede, uma fachada do prédio em um estilo vintage ou mesmo uma placa antiga que não é mais fabricada atualmente.
O mesmo acontece com a arte.
Observamos cores, formas, padrões e informações que outras pessoas não notam. Aquela nuvem? Parece uma raposa fugindo de um lobo. Aquela mancha na parede me lembra a boca de um dragão. Olha como a sombra daquela árvore é um braço retorcido tentando agarrar a faixa de pedestres!
Para artistas, o olhar é uma fonte inesgotável de inspiração. Tudo o que vemos pode ser usado no fazer artístico dependendo da forma como olhamos. Algumas vezes, precisamos adicionar algumas camadas; outras, a imagem está tão perfeita, que já sabemos de imediato como, quando e onde iremos usá-la. E a melhor parte é que isso não nos custou absolutamente nada. Só precisamos olhar.

Treinando o olhar artístico
Assim como qualquer coisa na nossa vida, precisamos treinar essa forma de olhar se quisermos captar a beleza que, por estar por toda a parte, se torna difícil de ver. Felizmente, há pequenos truques que te ajudam a filtrar o que buscar.
Procure os detalhes: em vez de pegar o quadro geral, busque os detalhes. Um desenho rabiscado às pressas em um muro. Uma janela antiga de uma casinha cercada por prédios que ameaçam devorá-la. Uma folha de árvore caída no chão com um formato perfeitamente simétrico.
Busque a beleza que você gosta: todo mundo tem preferências do que acha belo. No meu caso, essa beleza está na natureza. Se eu entro em uma rua nova e ali tem uma árvore, naturalmente meu olhar vai primeiro para ela. Gosto de reparar nos seus galhos, na copa, nas folhas e em como ela projeta sua sombra no chão. Se o que você mais gosta são formas, repare nos prédios riscando o céu, ou nas nuvens se misturando no mar azul celeste no alto. Se você gosta das cores, tente reparar nas pessoas com suas roupas passando como borrões coloridos na nossa frente, muitas vezes desaparecendo para nunca mais serem vistas por nós.
Não tenha medo de admirar: sei que esse sistema podre no qual vivemos quer que estejamos atrasados e ocupados o tempo todo, mas se você viu algo que achou belo, pare por alguns segundos e o observe. Um minuto não vai te deixar tão mais atrasado, mas pode ser um momento de respiro e inspiração que vai mudar completamente o seu dia. Se possível, tire uma foto (se for um lugar seguro e se não for invadir a privacidade de alguém).
Para ilustrar, trago uma foto que recebi ontem de uma artista incrível que tem me ensinado muito sobre o olhar artístico. Alô galera de BH que tá querendo fazer tatuagem com uma pessoa foda: @bellaathaydearte.

Como usar as imagens que observamos?
Dependendo do tipo de arte que você faz, a resposta para essa pergunta não é óbvia. Fotógrafos, tatuadores, pintores, artistas plásticos e todas as áreas que trabalham diretamente com a imagem tem um pouco mais de facilidade de usar as cenas que observam no cotidiano. Mas isso é possível para qualquer tipo de arte.
Não acredita? Escuta essa música e você vai entender perfeitamente o que quero dizer.
Eu sou completamente apaixonado por essa música. A Rua Ramalhete realmente existe. Ela fica perto da região da Savassi em Belo Horizonte. Eu nunca passei por ela, mas isso não importa. Graças ao Tavito, eu tenho uma ideia de como era aquela rua na época em que ele passou por ela, na época que ela era importante para ele. Consigo imaginar os uniformes, os olhares, os bailes… A música inteira só existe por causa do olhar do artista para algo comum, cotidiano, banal. Essa era a base que ele precisava. Depois “só” precisou transformar a imagem em arte e a MPB ganhou uma obra-prima.
Na escrita acontece algo parecido. Muitas vezes não sabemos quando usaremos uma imagem que vimos durante os nossos passeios. Mas basta precisar de uma descrição de um pôr-do-sol, da chegada do interesse amoroso do protagonista, de um primeiro beijo. Mesmo que não percebamos, essas imagens estão armazenadas e voltam para nos auxiliar quando precisamos delas. Por isso é importante observar o mundo ao nosso redor: realmente ver as pessoas, as paisagens e os momentos. Além do prazer que essas visões entregam de imediato, ainda servirão de material para nossas histórias no futuro.
A beleza está em toda parte, só precisamos saber procurar.
Já observou a beleza ao seu redor hoje?
Obrigado por chegar até aqui. Espero que esse vasinho te ajude a ver o mundo com mais beleza e riqueza de detalhes. Se achou que esse vaso pode ajudar outras pessoas a verem o mundo com um olhar mais artístico, já sabe! Compartilha uma mudinha com ela!